"Tudo começou quando eu tinha apenas 6 anos e eu morava com minha mãe. Aos sábados, íamos para igreja pela e depois para a casa dos avós almoçar, o que já era tradição. Era sempre assim. Depois que todos comiam, logo iam tirar aquela soneca tradicional e eu, como era criança, queria ficar brincando. Uma pessoa do meu ciclo familiar me puxou para um quarto e abusou de mim. Me lembro que doía muito, muito e muito. Me lembro que era uma dor muito aguda, eu não entendia o que era aquilo e não contava a ninguém não por ameaças, mas por intimidação. Ele abusou de mim neste quarto, me limpava e me voltava para voltar para a sala sempre muito estranha. Ninguém me questionava nada. Passava despercebido pela minha família.
Não adiantava dizer que eu não queria mais ir para a igreja para não ter de ir para a casa da minha avó porque eu era uma criança. Eu tinha de ter uma boa justificativa, mas eu não contava por medo dessa pessoa me matar ou qualquer coisa assim. Eu não sabia exatamente do que eu tinha medo porque era muito pequena. Eu sabia que todos os sábados que isso ia acontecer. Eram raros os que não aconteciam esses abusos. Quando eu percebi que ele me intimidava com o olhar, eu comecei a fazer o mesmo. Ele pegava em mim para levar ao quarto e eu começava a encará-lo. Era como se eu dissesse ‘se vier, eu vou contar’. Algo assim. Isso só teve um fim aos 9 anos, quando minha mãe parou de ir à igreja e não almoçávamos mais na casa dos meus avós aos sábados.
O tempo passou, desenvolvi ansiedade e síndrome do pânico. Eu sabia que aos sábados aconteciam os abusos e, mesmo sem entender, eu ficava esperando isso acontecer depois do culto, e passava a semana inteira tensa esperando pelo próximo. Não por gostar, mas por medo e não entender. A dor era grande. Eu ia fazer xixi e doía muito mesmo, mas eu não contava. Eu sabia que estava errado e não imaginava como contar. Se eu não entendia, como explicar?
Depois de muito tempo, outra pessoa do meu ciclo familiar também começou a me molestar. Essa pessoa morava com a gente. Na época de inverno, meu quarto molhava muito e todos iam dormir no quarto da minha mãe e, quando dava altas horas da madrugada, essa pessoa começava a me a me amassar, a pegar em minhas partes, sempre muito forte ao ponto de doer. Eu já começava a entender alguma coisa, mas não contava. Sempre fui muito retraída e guardei para mim. Isso acontecia até meus 18 anos.
Muita gente já me perguntou ‘por que você não contava se já sabia o que era?’, mas não fazia isso por medo e por achar que as pessoas não iriam acreditar devido ao tempo que havia passado. Também tinha medo de me julgarem. Temia que ele me matasse ou fizesse o mesmo com minha família. Basicamente não fazia isso por medo. Eu sabia que quando ia deitar, seria amassada. Não adiantava mudar de lugar, trocar de cama, eu sempre seria molestada e, por conta disso, também desenvolvi agorafobia [medo mórbido de se achar sozinho em grandes espaços abertos ou de atravessar lugares públicos], medo de pessoas, depressão e os outros transtornos que citei antes. Só que eu não conseguia assimilar que meus traumas resultaram nos meus transtornos.
Em 2017, me mudei do Maranhão para o Amapá e conheci o Rafael, meu atual namorado, para quem contei meus problemas, mas não os traumas que havia vivido. Ele me apoiou desde sempre e, em um dado momento, quis saber qual era o fundamento de tudo o que eu sentia. Havia um motivo porque ninguém desenvolve isso sem ter um motivo. Foi aí que contei tudo a ele, continuou me apoiando, fui morar na casa dele porque não tinha estrutura emocional para me virar sozinha e estou aqui desde então.
Eu achava que, sozinha, conseguiria esquecer tudo isso e tocar a minha vida, mas acabei ficando dependente do meu namorado, de todas as formas possíveis. Eu não conseguia sair sozinha. Tudo o que eu precisava fazer, ele tinha de me ajudar, então era uma dependência afetiva. Comecei a me sentir um fardo na vida dele porque o Rafa estava deixando de fazer as coisas dele para cuidar de mim. Me sentia inútil e aqueles pensamentos do passado nunca se apagaram. Eu me lembro todos os dias.
Na última quinta-feira, dia 13 de dezembro de 2018, estava chorando muito, me achava inútil, dependente, me lembrei do meu passado e imaginei que não poderia voltar para minha terra, caso o Rafael me deixasse. Namorado não é família, então se ele se cansasse de mim, eu teria de voltar para o Maranhão. Meu desespero era esse! Foi aí que comecei a chorar muito, entrei em desespero, tive uma crise de pânico e pensei ‘não aguento essa vida de transtornos e crises diárias, meu corpo não suporta mais’. Decidi acabar com a minha vida: peguei um vidro de remédio controlado, tomei inteiro e procurei uma corda para enlaçar no meu pescoço.
No intervalo entre tomar a medicação e pegar uma corda, eu fiz um comentário em um post da Marina Ruy Barbosa, mas não com intenção de viralizar ou repercutir. Foi apenas um desabafo. Fiquei procurando uma corda. Ela, rapidamente, entrou em contato com o Rafael, que estava no escritório dele aqui perto de casa, que correu até mim e pode me socorrer muito rapidamente. A medicação fez um efeito rebote, fiquei muito elétrica e nós não dormimos este dia. Foi terrível.
A Marina mandou uma mensagem particular para mim pedindo para eu não fazer aquilo, para eu não me acalmar porque tinham pessoas que me amavam. Ela conversou muito comigo e falamos de mulher para mulher. Não como a famosa e uma fã, mas uma conversa entre pessoas. Ela me deu muito apoio. No outro dia, ela me mandou mensagem me perguntando como eu estava.
Na segunda-feira, eu me consultei com um psiquiatra e ela estava o tempo todo me mandando mensagens querendo informações do meu estado, como estou, se estava melhorando e o apoio dela foi fundamental.
Outras duas pessoas que foram essenciais para mim foram a Dra Lívia Akarr, que começou a mobilizar a internet para que chegassem na Marina e no meu namorado, além da Ligia que conseguiu um psicólogo para mim. Essa tríade foi quem me ajudou a não concretizar o suicídio.
Hoje eu moro longe da família e minha prioridade é cuidar da minha saúde mental. Não tem sido fácil. Houve outro episódio, depois dessa tentativa, em que eu queria ceifar minha vida, mas o Rafael, sempre muito vigilante a todo instante, não permitiu. Ele está sempre ao meu lado. Sei que vou carregar meus traumas para o resto da vida e vou tratar de forma correta para ter uma qualidade de vida."
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