A aprovação do Projeto de Lei nº 1833/2023, de autoria do deputado estadual Gilberto Cattani (PL), colocou Mato Grosso na contramão das tendências globais de redução do uso de agrotóxicos. O projeto foi defendido por representantes do agronegócio sob o argumento de que beneficiaria pequenos produtores rurais de assentamentos. No entanto, essa justificativa é contestada por diversas entidades e movimentos sociais.
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Deputado se revolta com pedido para tratar agrotóxicos como questão de saúde: "Absurdo"
O polêmico projeto foi aprovado na terça-feira (19.03), em segunda votação, pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT). Votaram contra a proposta os deputados Lúdio Cabral (PT), Valdir Barranco (PT) e Wilson Santos (PSD).
Segundo Cattani, o objetivo do projeto é “proteger o pequeno produtor”. A Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja) também manifestou apoio à proposta. O vice-presidente da entidade, Fernando Ferri, afirmou que a legislação atual inviabiliza a produção em pequenas propriedades, especialmente em assentamentos.
Apesar dessa defesa, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) criticou duramente a proposta durante uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT). Representantes do MST destacaram que os assentados buscam modelos de produção baseados na agroecologia, com menor uso de insumos químicos e foco em sustentabilidade.
“A maioria dos assentados vive da agricultura familiar e da economia solidária, não da produção de soja e milho, que são os principais interesses da Aprosoja”, afirmaram os representantes do MST.
Uso de pequenos produtores como justificativa
A justificativa de que o projeto beneficiaria os pequenos produtores foi recebida com ceticismo por especialistas e lideranças políticas. Segundo analistas, o setor representado pela Aprosoja não tem histórico de defesa dos interesses dos pequenos produtores ou de assentados, que costumam ser rotulados como “invasores de terras” por setores ligados ao agronegócio.
“Os políticos do agronegócio não estão preocupados com os assentados. Estão interessados em proteger o modelo de produção de larga escala, que depende do uso intensivo de agrotóxicos”, destacou um analista político que acompanha a votação na Assembleia Legislativa.
Impactos na saúde pública
Estudos científicos apontam os riscos do uso excessivo de agrotóxicos para a saúde pública. Pesquisas realizadas pelo professor Wanderlei Pignati, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), constataram a presença de resíduos de glifosato no leite materno e em bebedouros de escolas em cidades mato-grossenses com alta produção agrícola.
Em resposta aos estudos, Pignati foi criticado por representantes do agronegócio. “Ele foi tratado como Judas no sábado de aleluia”, afirmou um pesquisador próximo ao caso.
Dados da ONU mostram que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, utilizando cerca de 720 mil toneladas por ano — mais do que Estados Unidos e China juntos. Um estudo da rede europeia Friends of the Earth Europe apontou que, em 2022, uma pessoa morreu por intoxicação por agrotóxicos a cada dois dias no Brasil, sendo uma em cada cinco vítimas uma criança ou adolescente de até 19 anos.
Enquanto países desenvolvidos adotam medidas para reduzir o uso de agrotóxicos, Mato Grosso segue na direção oposta. Especialistas apontam que o modelo de produção agrícola brasileiro está voltado para exportação, o que reforça a dependência dos agrotóxicos.
“Por que Mato Grosso quer ir na contramão do mundo?”, questionou um especialista em políticas agrícolas. “A resposta é simples: o lucro está acima de tudo e de todos.”
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