Os movimentos sociais tradicionais de luta pela terra e por moradia tentaram ontem reassumir o protagonismo político perdido nas manifestações de junho do ano passado. A volta de grupos tradicionais, com lideranças definidas, é vista por especialistas como uma segunda etapa do processo iniciado em 2013. Em comum entre os dois momentos, a insatisfação com o governo e a crítica à qualidade dos serviços públicos. Em oposição, a falta da truculência policial, considerada o estopim à adesão popular nos protestos do ano passado.
As diferenças entre os grupos que ontem foram para as ruas e o Movimento Passe Livre (MPL), que liderou as manifestações de junho passado, vão além dos vinte centavos. Sai de cena os coletivos e voltam, ainda que timidamente, as lideranças com cara, nome e função. Alguns com ligações políticas claras, e até a volta de bandeiras partidárias, rechaçadas e queimadas nos atos de junho passado.
A estratégia também mudou. O enfrentamento como tática de lutas nas ruas abre o espaço para o diálogo — vide o encontro entre o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MTST), Guilherme Boulos, e a presidente Dilma Rousseff (PT) na semana passada, antes da entrega da Arena Corinthians.
Enquanto o perfil muda, os problemas urbanos continuam em cena, mas reestreiam velhas temáticas ligadas aos movimentos sociais dos anos 80 e 90, como a luta por moradia e por terra — o próprio Movimento dos Sem-Terra (MST) apoiou atos na manhã de ontem em São Paulo. Cenário bem diferente de estilo e forma de atuação que não ganhou a adesão popular. Bem diferente das manifestações que levaram milhares de pessoas às ruas em junho do ano passado.
À frente daqueles atos que levaram milhares de pessoas às ruas em todo país estava um coletivo até então desconhecido — pelo menos fora da capital paulista —, comandado por jovens entre 20 e 30 anos sem rostos ou nomes: o MPL. O coletivo, como pedem para ser chamados, impôs às manifestações de 2013 o seu perfil horizontal e sem centralização nas decisões, nem mesmo nas ruas.
A reação nas redes sociais
A geração Facebook, também marca da onda de protestos do ano passado, saiu de cena, pelo menos no mundo virtual. A pedido do GLOBO, a R18 Tecnologia monitorou ontem a mobilização nas redes sociais (Twitter, Facebook e Instagram). Diferentemente de 2013, as manifestações de ontem contra a Copa não foram o tema central nas discussões na internet. As greves roubaram a cena da discussão virtual, com 65 mil menções compiladas até as 17h. Os protestos tiveram quase três vezes menos citações (26 mil). Até a capilaridade diminui. Ontem, 64% das mensagens se restringiam a apenas três estados: Rio, São Paulo e Pernambuco.
A luta pela redução das passagens ganhou a simpatia da população que viu ali um discurso comum ao seu dia a dia. E foi inflada pela truculência policial, que mobilizou o país contra atos de barbárie passados em tempo real nas redes sociais. Para o professor da FGV-SP, Rafael Alcadipani, ainda não há um estopim que faça os atos crescerem como em 2013. Ele avalia ainda que a volta das velhas lideranças reacende o papel de diálogo nos movimentos de rua:
Há um combustível comum aos dois momentos que é a insatisfação popular. Ela ainda está presente, assim como ano passado, mas não foi catalizada como foi antes pela ação exagerada e violenta da polícia. O clima é que o gigante do passado ainda está adormecido, mas pode acordar até a Copa — avalia.
Segundo o professor titular do Departamento de Ciência Política da USP José Álvaro Moisés, há uma falência na representação política. Ele destaca também a insatisfação como elemento estimulador das ações populares. Para ele, a atual configuração dos protestos representa um segundo ato das manifestações iniciadas em junho de 2013:
Primeiro, é importante deixar claro que a lógica dos movimentos sociais não é algo de todo racional. Talvez, podemos dizer que estamos caminhando para uma segunda etapa dos protestos. Talvez, não basta ocupar as ruas, é preciso que lideranças sentem e negociem as demandas do grupo.
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