Nomes de militares que vieram à tona depois do sucesso do filme "Ainda Estou Aqui" geraram repercussão nas redes sociais e questionamentos políticos sobre o papel de cada um no desaparecimento do deputado Rubens Paiva, interpretado nos cinemas pelo ator Selton Mello.
Um destes nomes é do tenente-coronel da Aeronáutica, João Paulo Moreira Burnier. O que poucos sabem é que Burnier foi o líder de uma tentativa de golpe baseada na divisa de Goiás e Mato Grosso, anos antes de 1964.
Após o golpe frustrado, Burnier passou a compor a repressão da Ditadura Militar a partir de 1964. Ele é apontado com um dos envolvidos no desaparecimento do deputado cassado Rubens Paiva, personagem do filme que venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro no último domingo (03.03). Segundo a Comissão Nacional da Verdade (CNV), Burnier teria ordenado a invasão à casa de Rubens Paiva, no Rio de Janeiro, em 1971.
Revolta de Aragarças
A chamada Revolta de Aragarças ocorreu na cidade de mesmo nome, na confluência dos rios Garça e Araguaia, e visava uma tentativa de golpe militar contra o então presidente Juscelino Kubitschek. A revolta aconteceu em 2 de dezembro a 4 de dezembro de 1959. A ideia dos militares envolvidos era instaurar uma ditadura militar no país.
Os golpistas, ao todo 18 pessoas, previam que receberiam apoio das forças armadas e de políticos ligados a União Democrática Nacional (UDN), mas isso não ocorreu e a tentativa de golpe foi sufocada em 36 horas. Os revoltosos fugiram para os países vizinhos e ninguém morreu.
A tentativa de golpe foi rechaçada por políticos de Mato Grosso, entre eles João Vilas Boas (UDN-MT). O ministro da Guerra, General Lott, enviou paraquedistas para Aragaças, que metralharam a cauda de um dos aviões C-47, que estava retornando de um voo de inspeção em Mato Grosso. Os tonéis de combustível também foram bombardeados. Os rebeldes fugiram com os outros aviões para a Argentina, Paraguai e Bolívia, e os reféns foram liberados em Buenos Aires.
Anistiado e livre para conspirar novamente
Anos depois, Burnier e outros oficiais que lideraram a revolta responderam a processo interno na Aeronáutica por deserção - quando o militar abandona o seu posto. No dia 20 de Outubro de 1960, um ano após a tentativa de golpe, Burnier aparece nas páginas do jornal O Estado de Mato Grosso na matéria "Em cena a revolta de Aragarças".
A publicação explica que, além dele, o tenente-coronel Haroldo Coimbra Veloso e o coronel Labarte Lebre responderão pelo crime na Segunda Auditoria da Aeronáutica.
Em depoimento prestado em 1993 ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), o tenente-coronel contou que depois da repressão à tentativa de golpe pousou em uma fazenda na fronteira entre Brasil e Bolívia, em Mato Grosso, para fugir dos pára-quedistas enviados pelo General Lott.
Anistiado pelo presidente que tentou derrubar, Juscelino Kubitschek, o tenente-coronel Burnier volta a conspirar em 1964. Naquela ocasião, seus caminhos retornam a Mato Grosso, onde ele alega que aviões que contrabandeavam armas e munições dos Estados Unidos passaram para atender aos anseios da derrubada de João Goulart.
Essas armas e munições foram deixadas nas fazendas de Geremia Lunardelli, o "rei do Café", segundo contou Burnier ao CPDOC. Lunardelli era um latifundiário conhecido por ser dono de enormes propriedades de terras e ter mais de 18 milhões de pés de cafés espalhados por Mato Grosso (onde hoje é Mato Grosso do Sul), Paraná e São Paulo. No depoimento, o militar contou que usou as fazendas de Lunardelli de Mato Grosso até São Paulo para pousar os aviões com armas e munições contrabandeadas dos Estados Unidos.
"Então fui obrigado a fazer importação, até contrabando num avião Constelation trazendo milhares de cartuchos de infantaria, porque a força pública de São Paulo não tinha munição nem para um dia de combate. Nem meio dia, nem dez horas de tiro. Então nós tivemos que fazer contrabando de munição pago. Dinheiro para trazer munição dos Estados Unidos para chegar aqui depois. Mas não do governo americano não, era contrabando mesmo de armas, de munição. E trouxemos para dentro sabe de quem, das fazendas daquele rei do café, numa fazenda ali perto de Sorocaba. Bom, então, nós tínhamos em São Paulo, além da brigada, o contato com o pessoal da FIESP e, principalmente, com esse dono da fábrica Paraíba, e também com o rei do café que é o Senhor Lunardelli. E, autorizado por ele, nós utilizamos as fazendas dele desde Mato Grosso até São Paulo, até Sorocaba, onde chegou o último avião, trazendo armamento e munição que nós trouxemos de contrabando dos Estados Unidos", diz trecho do depoimento de Burnier.
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