Na última quarta-feira (17/05), a urgência do projeto do Marco Temporal foi aprovada, e a votação do projeto, está prevista para a próxima terça-feira (30/05). A medida tem gerado preocupação entre especialistas e defensores do meio ambiente, que alertam para os impactos negativos que essa decisão pode trazer para o estado de Mato Grosso e para as áreas indígenas em disputa.
Giseli Gomes Dalla-Nora, professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e pesquisadora do Grupo de Pesquisas em Geografia Agrária e Conservação da Biodiversidade (GECA) , destaca a complexidade e os prejuízos que a aprovação do marco temporal pode acarretar para a questão ambiental.
Ela ressalta que estamos lidando com disputas territoriais e múltiplos processos de luta por esses territórios, e cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir se a discussão será baseada a partir de cinco de outubro de 1988 ou não.
“Nós estamos falando de disputas territoriais e existem vários processos de luta por esses territórios. Então o Supremo Tribunal Federal tem que dizer sobre a perspectiva da legislação se vai valer essa discussão a partir de cinco de outubro de 1988 ou não”, disse a pesquisadora.
Dalla-Nora destaca que, caso o marco temporal seja aprovado, mais de 80 ações movidas em relação à ocupação de terras podem ser validadas, o que significa que os povos indígenas seriam obrigados a deixar suas áreas. Ela ressalta que é preciso ter cuidado com essa situação, pois a Constituição Federal de 1988 reconhece as terras indígenas como pertencentes aos povos originários, reconhecendo uma dívida histórica com essas comunidades e também com os povos quilombolas, que foram escravizados.
Ao adotar o marco temporal, reconhece-se o direito à ocupação de terras indígenas somente a partir de 1988. Isso significa que grupos que foram expulsos de suas terras e deslocados para outras regiões, como o Xingu, não teriam o direito de retornar às suas terras de origem. Dalla-Nora destaca que isso contraria o propósito da Constituição de 1988, que visa garantir o direito dessas comunidades sobre suas terras.
“Um grupo, por exemplo, foi expulso de suas terras, foi mandado lá pro Xingu e eles querem voltar para suas terras agora, eles não vão poder. Então quer dizer que se eles não tivessem em 1988 na Terra eles não poderiam lutar por essa terra o que é totalmente impróprio porque a constituição de 1988 vem justamente pra isso, pra validar que as terras antes de tudo são terras indígenas, terras dos povos originário”, frisou Dalla-Nora.
Desta forma a pesquisadora destaca que a aprovação do marco temporal resultaria em anistia aos grileiros, além de incentivar a exploração desenfreada das terras em Mato Grosso, um estado extenso, com capacidade de fiscalização pelo poder público limitada.
Dalla-Nora menciona o marco temporal do desmatamento de 2012, que trouxe anistia para crimes ambientais ocorridos antes de 2008, para ela o marco temporal vai no mesmo caminho e causará impacto ambiental que será sentido diretamente em Mato Grosso.
“O marco temporal de 2012 diz que a área, que estava desmatada antes de 2008, não precisaria ser recuperada, e se ela foi desmatada depois de 2008 ela precisaria ser recuperada. Então essas questões são muito sérias porque você vai anistiando, você vai dando chance para que os crimes ambientais continuem a acontecer”, alertou a pesquisadora.
Dalla-Nora diz que as terras indígenas em processo de regularização e disputa poderiam ser utilizadas como áreas produtivas, aumentando o desmatamento, as queimadas e a presença de garimpos ilegais. Ela enfatiza que as áreas preservadas dentro das terras indígenas contribuem significativamente para a proteção do solo e da água, conforme observado nas imagens de satélite do estado de Mato Grosso.
Os indígenas possuem uma relação direta com a natureza, diferentemente da maioria da população brasileira, que vive nas cidades e tem uma desconexão com o meio ambiente. A pesquisadora enfatiza a importância de preservar essas áreas, pois elas garantem a qualidade ambiental
“Então, cada vez que a gente libera mais o desmatamento, cada vez que a gente deixa desmatar mais, a gente está assumindo a extinção da nossa espécie, a gente está assumindo que a gente não dá conta de cuidar da natureza”, finalizou Dalla-Nora.
Entenda
O texto do PL 490/07 sobre o Marco temporal foi apresentado pela primeira vez na Câmara, em 2007, pelo então deputado Homero Pereira (PR-MT), sendo fortemente criticado por lideranças indígenas e ambientalistas, que apontam que diversos povos indígenas foram expulsos dos seus territórios, só tendo a oportunidade de voltar para reivindicar essas terras exatamente após a Constituição 1988.
O projeto busca aprimorar a legislação indigenista no que diz respeito à competência do Congresso Nacional para tratar das demarcações de terras indígenas. A justificativa do projeto se baseia no fato de que o artigo 48 da Constituição Federal confere ao Congresso a competência para dispor sobre todas as matérias de competência da União, enquanto o artigo 231 estabelece que é responsabilidade da União demarcar as terras indígenas.
Atualmente, essa competência está concentrada no Poder Executivo, mais especificamente na Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o que exclui o Congresso Nacional e o Poder Judiciário das questões fundamentais relacionadas às demarcações.
Assim, segundo o texto, o projeto busca restabelecer a harmonia entre os Poderes, permitindo que o Congresso Nacional delibere e vote sobre as demarcações, considerando os diversos interesses envolvidos, como proteção ambiental, segurança nacional, exploração mineral e recursos hídricos.
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