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Artigos Segunda-feira, 10 de Junho de 2024, 17:13 - A | A

Segunda-feira, 10 de Junho de 2024, 17h:13 - A | A

Edna Sampaio*

Racismo, misoginia e resistência

por Edna Sampaio*

“A minha alma 'tá armada
E apontada para a cara do sossego
Pois paz sem voz paz sem voz
Não é paz é medo
(O RAPPA)”

A cassação do meu mandato, pela segunda vez, revela um jogo de uma política que precisa ser denunciada porque é racista, misógina e corrompe as instituições democráticas.

O racismo é algo presente nas nossas vidas e, não se manifesta pela simples injúria racial. O tratamento desigual, a perseguição, o abuso de autoridade, o julgamento moral degradante, levam a muitas formas de violência. O racismo é um holocausto brasileiro, ainda em curso.

A superpopulação de negros nos presídios, favelas e periferias, os alvos preferenciais de abordagens policiais violentas e fatais e, ao mesmo tempo, corpos ausentes dos espaços de poder. Nada disso é acaso ou natural. É resultado da maior política pública de nossa História recente: o genocídio da população pobre e negra. Uma política oculta, porém, a mais eficiente de todas. Uma das consequências dessa política é o avanço das organizações criminosas para dentro do aparelho do Estado, tanto no nível municipal quanto estadual e federal.

Fui arrastada para um teatro que foi montado na Câmara para me cassar. Era evidente o nervosismo para atingir o objetivo de forma cirúrgica, sem muita comoção desta vez. Mal disfarçando a torpeza dos conviventes e, nem mesmo para a Casa dos Horrores, a cena pareceu normal.

É preciso ter letramento racial para decodificar o racismo ordinário que nos atravessa. Porque nem o machismo, nem o racismo seriam estruturas tão fortes se não naturalizássemos hierarquias sociais e raciais.

Assim, o Presidente Chico 2000, se esforçou para fazer o melhor espetáculo, o mais convincente para o seu protagonismo naquele lugar que considera uma espécie de herança natural.

A narrativa de Chico 2000 era parecer seu dever de ofício “caçar” uma petista insolente, que não se curva ao senhor. Parecia um bom mote para quem pretendia disputar votos entre bolsonaristas, sendo base do Prefeito Emanuel Pinheiro. Ambicioso.

Em torno da ousada ambição do presidente se alinhou a torpeza dos demais interessados. Concluíram que o melhor negócio seria me cassar. É difícil saber quanto custa e quanto rende esse jogo para o qual estou sendo retirada como “persona non grata”.

O fato é que, diferentes interesses eleitorais se juntaram a esta mesma conclusão: cassar Edna Sampaio pode dar voto ou abrir caminho para quem está na fila se eleger. Pesquisas e cálculos eleitorais, certamente, embasaram a “melhor decisão” na perspectiva dos homens. As mulheres nada ganham com isso, apesar da valentia e coragem destacada para me atacar, sem constrangimento. Mulheres são sempre mais corajosas e apaixonadas.

Na peça montada para me açoitar simbólica e moralmente, a “denunciante” Laura Abreu, que nunca denunciou “rachadinha” no meu mandato, é uma mulher negra colocada no papel que os racistas mais gostam: a de coitada. O que seria do heroísmo racista se não conseguissem, à sua própria imagem, degenerar a nossa humanidade, a nossa dignidade?

O relator do processo de cassação do meu mandato é um homem negro, em suas palavras. O seu discurso sobre negros não terem o direito de usar a cor para praticar atos ilícitos lembra o debate de Franz Fanon em “Peles negras, máscaras brancas”.

A certa altura da sessão, um jovem advogado, na minha ausência e do meu advogado, foi nomeado “defensor dativo”. Seu papel era defender a vereadora Edna Sampaio, mesmo impedido por ser servidor da Casa, nomeado pelo Presidente, cuja perseguição tenho denunciado. O jovem advogado disse que estava ali por ser um homem negro, pra defender uma mulher negra. E contou sua emocionante história e de sua família. Falava em tom quase emocionado no amor que deve haver ali, na Câmara e, pediu perdão pela vereadora Edna Sampaio!!

Pediu perdão! Pediu perdão!

Usou menos de 10 minutos das duas horas a que tinha direito.

Um negro pediu perdão naquele plenário, transformado em praça de meu açoite, um tronco invisível prendia meu corpo à humilhação e indignidade de um julgamento racista, misógino e de exceção. Pediu perdão e me entregou ao seu senhor, seu chefe. Que cena!! Chorei consternada com a humilhação e com a infantilização que o racismo impõe às pessoas negras. Dr. Pedro Henrique, não pediremos perdão ao racismo!

A Câmara Municipal de Cuiabá foi fundada em 1º de janeiro de 1727 e o mesmo racismo que impediu nesses anos que uma mulher negra ocupasse esse lugar, agora, tenta expulsar violentamente a primeira mulher negra eleita 297 anos depois!

Não daremos nenhum passo atrás. Depois de mim, muitos outros de nós virão: homens, mulheres, brancos, pretos, jovens, pessoas LGBTQIA+ pela vida e pelos direitos de todos nós!

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