Por Monica Catarina Perri Siqueira*
O Tribunal do Júri indubitavelmente propicia à sociedade uma participação ativa e direta no ordenamento jurídico brasileiro, pois através dele seus membros decidem os processos afetos aos crimes dolosos contra a vida, bem mais valoroso do ser humano.
Para além da relevância no contexto jurídico, o Tribunal do Júri possui um impacto significativo na sociedade mato-grossense. Suas decisões refletem os valores éticos e morais da comunidade, além de influenciar diretamente as políticas públicas de segurança e justiça criminal, tanto que o índice de assassinato é indicador utilizado, internacionalmente, para medir a violência de determinada localidade.
O Tribunal do Júri também é instrumento de prestação de contas do Estado perante a sociedade, garantindo que aquele que pratica um crime doloso contra a vida, seja julgado de acordo com os princípios da legalidade e da justiça.
Contudo, o júri sempre foi alvo de inúmeras críticas, especialmente quanto a morosidade do seu procedimento, composto por duas fases: a primeira, do juízo de acusação e a segunda, do juízo da causa, relativa ao julgamento pelo Tribunal do Júri, após o transito em julgado da decisão de pronúncia.
Nesse contexto, o Judiciário enfrenta um grande desafio: julgar os processos relativos aos crimes contra a vida em menor tempo possível. Porém, o julgamento célere as vezes não é alcançado devido inúmeras intercorrências, nem sempre de cunho processual.
A maior delas, que teve início no mês de março de 2020, foi a Pandemia do Coronavírus e as medidas restritivas dela decorrentes, especialmente o distanciamento social.
É cediço que os julgamentos do Tribunal do Júri são presenciais, quando muito podem ser realizados de forma híbrida, envolvem um razoável número de pessoas, além de se estenderem por muitas horas, o que inevitavelmente aumentava a exposição dos envolvidos ao indesejável risco de contágio do Coronavírus.
Em decorrência, em todo Brasil as sessões do Tribunal do Júri permaneceram suspensas por aproximadamente dois anos, a fim de garantir a proteção à saúde das pessoas, indistintamente. Este fato ocasionou o represamento dos processos afetos ao Tribunal do Júri.
No âmbito do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso, de acordo com o levantamento realizado pela Corregedoria-Geral de Justiça, apurou-se a existência de cerca de 900 (novecentos) processos com julgamento sobrestado em decorrência do evento pandêmico, sendo que 25% (vinte e cinco por cento) deste estoque pertence à Primeira Vara Criminal de Cuiabá, de minha titularidade.
Diante desse cenário instaurado pela pandemia foi idealizado e instituído no âmbito do Poder Judiciário de Mato Grosso o “Programa Mais Júri”, por iniciativa da nossa valorosa Corregedoria-Geral da Justiça, que contou com o apoio da administração do Tribunal de Justiça de Mato Grosso e da Diretoria do Foro da Capital, em parceria com a Defensoria Pública e o Ministério Público, cujo objetivo é dar vazão aos julgamentos do Tribunal do Júri, acumulados durante a pandemia.
O programa foi autorizado pelo Provimento TJMT/CM nº 30, de 27 de setembro de 2023, com início no dia 1º de outubro e se estendeu até o dia 10 de dezembro de 2023 (primeira fase). Reiniciou no mês de março de 2024 e perdurará até o dia 21 de junho do corrente ano, podendo ser expandido.
Conta com a participação de dezenas de magistrados, sob a Coordenação do Juiz Auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça, Dr. Emerson Luís Pereira Cajango, de Promotores de Justiça, Defensores Públicos, advogados e servidores, todos trabalhando com afinco para extirpar o estoque de processos que se acumulou durante a pandemia, principalmente aqueles relativos aos crimes mais graves, como os crescentes feminicídios e demais processos de repercussão social.
Para tanto, como procedimento preparatório para o “Programa Mais Júri”, foi atualizada a lista-geral de Jurados, publicada no dia 10 de novembro de 2023, contendo 6.975 (seis mil, novecentos e setenta e cinco) nomes.
Também foi necessário a convocação de 902 (novecentos e dois) jurados para atuarem nos julgamentos que se realizam, diariamente, e simultaneamente, em cinco plenários no fórum da capital, alguns improvisados para atender ao mutirão do júri.
Para agilizar o sorteio, no mês de agosto de 2023 foi criado na Primeira Vara Criminal da Capital um módulo de sorteio eletrônico de jurados, o qual vem sendo utilizado com êxito em todos os julgamentos.
O módulo eletrônico permitiu que o sorteio ocorresse de forma mais rápida, transparente, eficiente e segura, bem como reduziu os gastos que outrora ocorreriam com a impressão individual das cédulas contendo os nomes e qualificação dos milhares de nomes publicados na lista-geral, além da necessidade da aquisição de várias urnas para o depósito das cédulas. O procedimento foi realizado mediante parceria estabelecida formalmente com os servidores da Primeira Vara Criminal de Cuiabá, não decorrendo qualquer ônus ou contrapartida financeira do Poder Judiciário.
Após aproximadamente sete meses de “mutirão” é possível afirmar com toda certeza que o “Programa Mais Júri” é um sucesso, com aumento exponencial do número de processos julgados na Primeira Vara Criminal de Cuiabá, pois até 21.05.2024 foram julgados 191 (cento e noventa e um) processos pelo mutirão.
Além destes, sob a presidência desta Magistrada, no referido período foram realizados mais 59 (cinquenta e nove) julgamentos. Ademais, há mais 49 (quarenta e nove) julgamentos designados pelo mutirão, até 27/06/2024, e 57 (cinquenta e sete) por esta Magistrada, até 21/11/2024. Portanto, em pouco mais de sete meses foram realizados 250 (duzentos e cinquenta) júris e ainda há mais 108 (cento e oito) designados, podendo ainda ser incluídos processos relativos a réus presos, de acordo com a ordem de distribuição.
Graças ao “Mais Júri” atualmente todos os processos redistribuídos para a Primeira Vara Criminal, tão logo vencida a fase do artigo 422 do Código de Processo Penal, são incluídos na pauta de julgamentos.
Apesar das críticas e polêmicas sobre o Tribunal do Júri ele está solidificado em nosso ordenamento jurídico, é uma demonstração absoluta da democracia participativa, na medida em que o acusado é julgado por seus semelhantes e a decisão representa a vontade de toda a sociedade.
Em relação ao desafio da morosidade, pode ser superado com boas práticas, espírito público e a união das instituições, no sentido de somar esforços para uma Justiça mais célere, a exemplo do “Programa Mais Júri”.
*Monica Catarina Perri Siqueira - Juíza de Direito Presidente do Tribunal do Júri de Cuiabá/MT
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