por Thiago Gurjão*
"Vossa Excelência está marcando um golaço!". Essa foi a saudação do Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ao anúncio, pelo Presidente da República, das medidas da reforma trabalhista propostas pelo governo federal. A "reforma" tem como principal ponto a possibilidade de prevalência do negociado sobre o legislado quanto a determinadas matérias, o que já vinha sendo defendido por representantes do governo e criticado por boa parte dos membros da magistratura trabalhista e dos Ministros do próprio TST, inclusive em notas e declarações dos representantes da ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho).
Além da magistratura trabalhista, o mesmo "apoio" teria vindo dos representantes dos trabalhadores. A suposta união a favor das medidas, que seria simbolizada pela presença de alguns representantes de Centrais no evento, foi enfatizada pelo Presidente da República, que disse que o anúncio era um "momento histórico", representativo da fraternidade absoluta e que lembrava o próprio Natal. O twitter do Ministério do Trabalho e Emprego registrou o agradecimento do Ministro às centrais sindicais pelo apoio.
Parece, contudo, que a ideia de flexibilização defendida no projeto foi de tal modo incorporada que se deu uma "flexibilizada" no que significaria "apoio". A CUT (Central Única dos Trabalhadores), que dentre as centrais é a que congrega maior número de representados, divulgou nota contrária às medidas, assim como a CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil). Diz a nota da CUT: “A reforma trabalhista anunciada nesta quinta-feira (22) pelo governo do [...] e [...] Temer é ineficaz, inoportuna, autoritária e não resolve o problema do Brasil. [...] É um golpe à classe trabalhadora”. Não sei para você, mas não me parece ser exatamente uma declaração de apoio.
A possibilidade de utilização da negociação coletiva para redução de direitos como a diminuição do intervalo para refeição ou, ainda, a possibilidade generalizada de aumento da jornada para doze horas (ou mais, pelo que consta da literalidade da proposta, que não fala em limites diários) representa um ataque às conquistas históricas dos trabalhadores. A expressão que sintetiza o debate não é feliz: a negociação coletiva sempre pôde se sobrepor à lei, quando é feita para acrescer direitos ao patamar legal mínimo. O que se pretende consolidar agora é a prevalência do negociado sobre o legislado para piorar a situação jurídica do trabalhador. Faltou explicar, de maneira convincente, o que essa possibilidade de negociação para pior poderia representar de melhoria para os trabalhadores ou no que contribuiria para a redução do desemprego.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) não tem dado margem a qualquer dúvida quanto à sua posição institucional, mesmo para quem adote criativas concepções de "apoio": a Procuradoria-Geral do Trabalho e a Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical (CONALIS) do MPT vêm se pronunciando contra as propostas que pretendem institucionalizar a - chamemos por seu nome completo - prevalência do negociado sobre o legislado para piorar a situação dos trabalhadores. Os Procuradores do Trabalho conhecem e combatem, na prática, os efeitos deletérios de negociações dessa natureza, inclusive em alguns dos temas mencionados no anúncio da nova proposta, como aumento da jornada de trabalho ou redução do intervalo para refeição, com exposição dos trabalhadores a maiores riscos à saúde e à segurança.
Em 27 de maio de 2001, Petkovic marcou, aos 43 do segundo tempo, um memorável gol em cobrança de falta, que deu o título de campeão carioca ao Flamengo em cima do Vasco. Resignado, reconheço: foi um golaço. Afinal, essa é sempre uma conclusão objetiva, que se faz a partir da análise da jogada que resulta em gol, independentemente de se estar do lado da torcida que chora ou que comemora. Portanto, assim como um vascaíno pode fazer em relação ao gol do Pet, quanto à reforma proposta pelo governo concordo com a expressão usada no evento para, objetivamente, reconhecer: foi um golaço! Pena que é mais um a favor do retrocesso social. Mas que foi um golaço, ah, isso foi.
*THIAGO GURJÃO ALVES RIBEIRO é Procurador do Trabalho.
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