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Artigos Quarta-feira, 27 de Março de 2019, 16:31 - A | A

Quarta-feira, 27 de Março de 2019, 16h:31 - A | A

Opinião

Cuiabá 300 Anos – Ameaças e oportunidades

por José Marques Braga*

Já estamos nos festejos dos 300 anos de Cuiabá (ou 292 anos como afirma o historiador Carlos Rosa da UFMT) e essa tem seus desafios e oportunidades a serem superados e efetivadas, respectivamente. O contexto nacional é de crises política, econômica e psicossocial. É a capital do Estado de Mato Grosso e ao mesmo tempo o centro dos problemas sociais, fruto da exclusão natural do crescimento polarizado nos eixos estruturados na geopolítica da economia do agronegócio, fruto da indução da política de exportação da Lei Kandir e outras legislações estaduais. Também não podemos deixar de citar a Região Metropolitana que envolve Várzea Grande, Santo Antônio do Leverger, Nossa Senhora do Livramento e Chapada dos Guimarães.

São as velhas cidades que agregaram problemas urbanos insuperáveis em suas estruturas físicas, sociais e culturais, que somadas às desigualdades de Renda Per capita das principais Cidades de Mato Grosso, geram os desafios que as ameaçam a sustentabilidade do desenvolvimento da região metropolitana.
De acordo com os dados do IBGE, Cuiabá está no topo da lista dos indicadores socioeconômicos, com um PIB de R$ 22,2 Bilhões, PIB per capita (PIB ANUAL/nº habitantes no mesmo ano, logo é a renda média anual) de R$ 37.930 por habitante, IDH Médio de 0,787, produto dos três elementos IDH-Renda, IDH-Longevidade e IDH-Educação, 0,800, 0,834 e 0,726, respectivamente; a disparidades estão nos demais municípios da Região Metropolitana (Baixada Cuiabana), na sequência, com os seguintes índices: Várzea Grande – PIB R$ 7,3 Bilhões e PIB per capita de 26.938, IDH médio de 0,738; Poconé – PIB R$ 0,43 Bilhões e PIB per capita de 13.656, IDH médio de 0,661; Chapada dos Guimarães – PIB R$ 0,24 Bilhões e PIB per capita de 19.257, IDH médio de 0,696; Rosário Oeste – PIB R$ 0,22 Bilhões e PIB per capita de 12.156, IDH médio de 0,660; N. S. Livramento – PIB R$ 0,12 Bilhões e PIB per capita de 10.567, IDH médio de 0,670; Santo Antônio do Leverger – PIB R$ 0,25 Bilhões e PIB per capita de 13.332, IDH médio de 0,665; e Barão de Melgaço PIB R$ 0,07 Bilhões e PIB per capita de 9.811, IDH médio de 0,440.

Seguimento do Agronegócio: Rondonópolis – PIB R$ 9,4 Bilhões e PIB per capita de 43.025, IDH médio de 0,757; Sorriso – PIB R$ 5,6 Bilhões e PIB per capita de 68.132, IDH médio de 0,749; Sinop – PIB R$ 5,1 Bilhões e PIB per capita de 38.500, IDH médio de 0,756; Lucas do rio Verde – PIB R$ 3,7 Bilhões e PIB per capita de 62.202, IDH médio de 0,770; Primavera do Leste – PIB R$ 3,6 Bilhões e PIB per capita de 61.274, IDH médio de 0,757; Tangará da Serra – PIB R$ 2,9 Bilhões e PIB per capita de 71.101, IDH médio de 0,734; Sapezal – PIB R$ 2,7 Bilhões e PIB per capita de 113.764, IDH médio de 0,738; e Campo Verde – PIB R$ 2,3 Bilhões e PIB per capita de 60.604, IDH médio de 0,753.

A amostragem dos municípios acima caracteriza o desenvolvimento de dois Mato Grosso distintos no atual contexto. As cidades da baixada cuiabana, nasceram em períodos próximos e guardam, observadas as devidas proporções, características culturais, sociais e econômicas semelhantes. Enquanto as demais, do seguimento do agronegócio, são as novas Cidades e fundadas em período recente que também se assemelham entre si. Dessa comparação analisamos os desafios e oportunidades para a velha Cuiabá nesses 300 anos.

Pelos dados acima, quais as oportunidades para a Região Metropolitana de Cuiabá, se são somente desafios diante dos dados do PIB, RENDA per capita e IDH, com seus efeitos para Cuiabá? Volte ao tempo, 1950/60, e pense o que representava o cerrado brasileiro para a economia antes das pesquisas da EMBRAPA, Politicas Agrícolas e Fiscal para o Agronegócio atual?

A psicologia, ciência ora em ascensão, afirma que “somos seres únicos que escolhemos o que queremos de melhor para nossa vida” e ainda que “somos treinados a fazer coisas por repetições e podemos nos enganar nas escolhas” e acrescento eu, que isso vale tanto quem treina como para quem é treinado.

Diante dessa premissa, podemos analisar o histórico das cidades da baixada cuiabana pelo ciclo da economia e as relações de produção de cada período. Cuiabá e as cidades vizinhas, direta e indiretamente, nasceram na exploração do ouro e se seguiram com os ciclos da Cana de açúcar e este tem dois subciclos – dos engenhos e das usinas – sendo o primeiro, dos engenhos processados pelo sistema de mão de obra escrava e, das usinas, de escravos e mão obra livre, ambos coexistiram simultaneamente.

Em seguida temos os ciclos da poaia, da erva mate e da Borracha, todos voltados para a exportação e constituída de mão de obra semi-escrava, sem formação profissional e ainda em um período sem regaras trabalhistas. Essas características se perduraram por mais de dois séculos. Dessas elações sociais e jurídicas nasceram e formaram perfil social e cultura da cuiabania, ressalvadas as funções das classes nela intrinsecamente consolidada.

Na condição de Economista e curioso nos assuntos dos sociólogos e psicólogos, observo o cotidiano regional de práticas políticas e sociais; ouso afirmar que temos as características culturais das relações de trabalho intrínsecas em boa parte da população da baixada cuiabana.

Parece simples, mas a mente se condiciona a modelos fechados e não permitem os desafios. Isso na coletividade tem efeitos do tipo em análise. Podemos analisar a história do povo hebreu, no livro bíblico de Êxodo, onde o povo mais sábio do mundo, os Judeus, quando escravo no Egito e de lá saíram para Canaã, estes resistiram diversas vezes em caminhar naquele deserto em busca da terra prometida. Aquele povo no deserto ao se deparar com dificuldades, alegavam vantagens da escravidão do Egito, alegando os cemitérios para serem sepultados, comparando com o deserto que não haviam. O êxodo somente foi possível, pela imposição da liderança de Moisés (e depois Josué irmão de Moisés que o sucedeu) que tinham formação de berço, e conduziram aquele povo até o objetivo profetizado. Os líderes fizeram a diferença.

Então, é possível que Cuiabá tenha no sistema de engenhos e usinas, seguidos dos demais ciclos econômicos de nossa formação, valores de vida latente como referenciais e isso nos leva a definir nossos sonhos e limites , tais como: Estudar, passar no concurso para o serviço público; ser um jogador de futebol profissional, votar no candidato do patrão, ver o Estado com ilimitados poderes, achar que os ricos nasceram para mandar e os pobres para obedecer, em resumo, a síndrome de Gabriela, “eu nasci assim, eu vivi assim e vou morrer assim”...Gabriela, são hábitos que formam nossos valores desde as nossas tradicionais famílias e os “bons costumes”. Não é exclusividade de Cuiabá, isso estão em muitos lugares brasileiros.

O oposto das novas cidades de Mato Grosso, estas se formaram por imigrantes que saíram de suas terras, fora da zona de conforto, com objetivos e riscos de tentar a vida numa nova terra e sem muitas opções de voltar à origem. Era caminhar, perseguir o alcançar a meta estabelecida. Os resultados estão nos indicadores de cada uma das cidades acima elencadas. O processo está se consolidando com a agroindústria que já está se instalando nas cidades do eixo Nova Mutum – Sinop. Qual é a diferença? Os PIBs per capitas e IDHs estão destacados nos dados acima mencionados.

Cuiabá, ocupa o 1º lugar do estado de Mato Grosso, com destaques na educação, na renda per capita e longevidade, no entanto, historicamente, o fator definitivo para os indicadores em sua formação, deve-se ao fato de ser a Capital. Em razão inversa, fruto dos valores culturais da política praticada nos ciclos econômicos da época, concentradores de poder e renda, os indicadores das cidades da região metropolitana, de Várzea Grande a Barão de Melgaço, todas, são imensamente menores, com reflexos diretos na qualidade de vida de Cuiabá. Isso ocorre até hoje. As famílias das cidades vizinhas quando melhora o padrão de vida em seguida se mudam para Cuiabá.

Como no modelo dos senhores de engenhos, que concentravam na Casa dos senhores, todas as luxúrias em detrimentos às senzalas, na mesma proporção das senzalas escravas em relação ao caso do senhor dos Engenhos que buscavam seus recursos de sobrevivência, as cidades vizinhas hoje também buscam em Cuiabá todos serviços públicos disponíveis que suas Cidades não têm. Vejam como os costumes se repetem nos costumes coletivos. Isso demonstra a relatividade dos indicadores da realidade funcional da nossa Cuiabá 300 anos, na qual não se tem a mesma qualidade de vida das novas cidades. Há um nivelamento, por osmose social, dos IDHs e PIBs per capita das cidades circunvizinhas, tornando Cuiabá como as demais cidades da Região Metropolitana.

Então, analogia a parte, para comparações, os modelos e valores de cada sociedade tem influência direta no sucesso e insucesso. As sociedades com maior nível de desenvolvimento e inclusão social, onde estão classificadas as novas cidades, nasceram com regras trabalhistas definidas, visão de futuro com limites ampliados, mecanização da produção agrícola com bens tecnológicos de primeiro mundo e outras semelhantes e os indicadores falam por si. Isso demonstra que as mentes necessitam de desenvolvimento coletivo. As sociedades de castas não geram desenvolvimento sustentável. É a massa qualificada, com consumo de bens de qualidades, com qualidade de vida integral que formam a base desse crescimento sustentável.

Cabe a nós da baixada cuiabana repensarmos nossos valores e estratégias. Destaque especial às lideranças detentoras de poder político e econômico, em se conscientizarem que não se estabelece crescimento sustentável com modelo de exclusão de empregos qualificados e direitos adquiridos, de cidadania. O inverso é verdadeiro, são esses componentes econômicos e sociais que fortalece o consumo e a economia. Precisamos ter uma coletividade qualificada para o desenvolvimento.

No campo político eleitoral é necessário raciocinar que, antes os agentes econômicos que financiavam as campanhas dos candidatos da baixada cuiabana, agora são as próprias lideranças que se autofinancia e ganham as eleições com estratégias de médio e longo prazo, com metas de grandes potencialidades políticas e econômicas, ou se não, esses, nos bastidores, são os agentes que comandam os modelos que lhes garantem a prosperidade.

Os desafios da Região Metropolitana se pautam em novos valores do empoderamento coletivo e pertencimento cidadão, com sonhos e realizações de inclusão no consumo de bens superiores que consolidam a agregação de valores materiais e imateriais.

A oportunidade está posta no contexto político atual. A decisão é de caráter político e de autoestima corporativa. Os ingredientes estão postos a mesas: Atualmente são 11 deputados da baixada cuiabana, um Senador de peso político decisivo, Jayme Campos, dois Deputados Federais e um Governador eleito em primeiro turno que é empresário do setor industrial. É a oportunidade singular dos últimos anos. No setor de serviços já somos economicamente razoáveis em função dos serviços públicos que se concentram na capital Cuiabá, já que na agricultura dispensa-se comentários: já não falamos de Batuvi a Bauxi, dos velhos tempos. Agora falamos de Itiquira a Comodoro, de Tangará da Serra a Agua a Boa, com os diversos eixos econômicos detentores dos novos PIBs, rendas per capitas e IDHs. Nos seus eixos elegem seus Deputados Estaduais, Federais, Senadores e vice-Governador e estes defendem com unhas e dentes, os seus interesses corporativistas.

Cabe então aos líderes de plantão decidir e implementar as políticas públicas indutoras voltadas para essa importante governança. Lembrem-se que coube a Moisés conduzir uma multidão no deserto. O nosso deserto de hoje não é muito diferente e há muita rebeldia popular na multidão da baixada cuiabana se valendo de Reinados que não lhes pertencem. Com a decisão, a classe política com mandatos e os poderosos da FIEMT, convencendo as demais Federações da necessidade de uma nova matriz econômica. Não podemos deixar essa oportunidade agora ou então estamos todos na tragédia dos comuns. Com Educação de qualidade e projetos, podemos descobrir novas riquezas assim como descobriu o cerrado dado como terras inférteis por tantas décadas.

Essa é a minha contribuição crítica aos 300 anos de Cuiabá. Parabéns Cuiabá, Parabéns gente acolhedora e boas festas.

 

 

*José Marques Braga é economista, ex-secretário Municipal de Planejamento e membro fundador do Conselho da Cidade de Várzea Grande – 2008/2017

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