por Franklin Epiphanio*
Nesta semana a Lei Maria da Penha completa 15 anos em vigor. Promulgada em agosto de 2006, a lei 11.340, batizada de Lei Maria da Penha em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, uma mulher tornada paraplégica por repetidos espancamentos e duas tentativas de assassinato pelo então marido, foi criada com o objetivo de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Em que pese o Brasil ter chegado relativamente tarde ao que se tornou um movimento internacional para reconhecer a violência doméstica como crime, essa lei representou um avanço no tratamento jurídico da violência de gênero, revolucionou o debate sobre violência contra a mulher no país e salvou milhares de vidas.
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2015 demonstraram que a Lei Maria da Penha reduziu em 10% a projeção de aumento da taxa de feminicídios domésticos. Todavia, sua efetividade ainda é limitada e há vários aspectos nos quais pode e deve avançar.
O precedente legal para a lei de 2006 foi a lei 9.099 de 1995 que instituiu os juizados especiais criminais para os crimes de “menor potencial ofensivo”, o guarda-chuva sob o qual crimes como violência doméstica foram considerados. O resultado foi que a violência doméstica ficou abaixo do limite de preocupação do sistema de justiça criminal.
As mulheres vitimadas eram aconselhadas a voltar para casa; as denúncias eram rotineiramente retiradas; e as penalidades, se impostas, eram triviais. Na prática, a violência de gênero era banalizada e as penas geralmente se reduziam ao pagamento de cestas básicas ou trabalhos comunitários.
A Lei Maria da Penha, considerada pela ONU como uma das três mais avançadas do tipo no mundo e com uma perspectiva que vai para além da punição, trouxe uma definição sem precedentes de família como uma “comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados”; uma definição ampliada de violência doméstica, a qual passou a ser tratada como crime e violação dos direitos humanos; e um pacote abrangente de medidas destinadas a proteger as mulheres vítimas de abusos, incluindo medidas protetivas de urgência, assistência psicológica e de saúde, bem como a criação de equipamentos indispensáveis à sua efetividade, tais como: Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, Casas-abrigo, Centros de Referência da Mulher e Juizados de Violência Doméstica e Familiar, entre outros.
A Lei Maria da Penha considera a violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. A violência doméstica, familiar e conjugal são termos que passam a ser utilizados para denominar o problema quando este ocorre no ambiente de convivência familiar, cometidos por pessoas que possuem relação íntima com a vítima, sendo sua ocorrência reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como um problema de saúde pública.
Um dos avanços com a Lei Maria da Penha em Mato Grosso foi a criação da Patrulha Maria da Penha pela PMMT em 2017 na cidade de Barra do Garças e em 2018 em Cuiabá e Várzea Grande. A Patrulha Maria da Penha é composta por policiais militares, homens e mulheres, que realizam policiamento preventivo periódico junto às vítimas de violência doméstica que possuem medidas protetivas deferidas pelo Poder Judiciário, objetivando a fiscalização do cumprimento das ordens judiciais e a prevenção da reincidência, tendo apresentado sucesso na prevenção dos casos de feminicídios.
As visitas às mulheres vítimas de violência doméstica são realizadas a fim de verificar se o agressor está importunando ou ameaçando a vítima, bem como se ela precisa de encaminhamentos específicos para outros órgãos que compõem a rede de enfrentamento à violência doméstica no estado.
O programa de policiamento Patrulha Maria da Penha foi institucionalizado na PMMT em 2020 por meio de portaria do Comando Geral. A expansão deste serviço foi planejada para ocorrer de acordo com a estruturação e capacidade de desenvolvimento por parte das unidades. Atualmente, encontra-se implantado em 21 municípios, sendo: Cáceres, Tangará da Serra, Juína, Pontes e Lacerda, Nova Mutum, Barra do Garças, Rondonópolis, Vila Rica, Primavera do Leste, Cuiabá, Sinop, Alta Floresta, Água Boa, Peixoto de Azevedo, Jaciara, Várzea Grande, Juara, Sorriso, Campo Novo do Parecis, Confresa e Porto Alegre do Norte.
Os policiais militares que atuam na Patrulha Maria da Penha passam por capacitação própria que abrange disciplinas de escuta ativa, direitos humanos das mulheres, o ciclo da violência e suas consequências, estratégias e desafios para atuação em rede, legislação de proteção à mulher, habilidades e competências para uma abordagem policial eficaz, cultura machista, aspectos emocionais dos atores da violência e procedimento operacional padrão de atendimento de ocorrências de violência doméstica.
Nesse sentido, a Lei Maria da Penha foi um importante divisor de águas na abordagem do sistema de justiça criminal à violência baseada no gênero, estabelecendo novos patamares para o enfrentamento da violência contra as mulheres no país.
A realidade, no entanto, ainda é preocupante, uma vez que ainda convivemos com uma cultura violenta e machista, e há muitas falhas na aplicação da lei que não ocorre de forma homogênea em todo o país. Diagnósticos e estudos realizados apontam para a fraqueza da infraestrutura institucional do Brasil, principalmente fora dos grandes centros urbanos, a falta de pessoal treinado, o insuficiente compromisso para a articulação das redes intersetoriais dos serviços de proteção, a insuficiência de casas-abrigo, dificuldades de inserção produtiva, de acesso a serviços de saúde mental e tratamento de dependência química. Tudo isso acaba dificultando a efetividade da lei e contribui para a não universalização do acesso à justiça para todas as mulheres. Além disso, a pandemia agravou nacional e internacionalmente os casos de violência doméstica e dificultou ainda mais o acesso das vítimas aos serviços de proteção e justiça.
Como visto, é inegável que a Lei Maria da Penha é um marco no reconhecimento dos direitos das mulheres sendo hoje o principal instrumento jurídico de proteção das mulheres vítimas de violência no país, de modo que há sim muito o que se comemorar nesses 15 anos desde sua promulgação. Todavia, não podemos nos esquecer que apenas a lei não é suficiente e há ainda muitos desafios para uma maior efetividade desse instrumento legal.
*Franklin Epiphanio é Tenente Coronel da PMMT e Coordenador Estadual da Rede Cidadã.
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